Friday, July 11, 2008

A fantástica fábrica de filmes de Burton


'Ao aproximar-se mais da casa, perceberam que era feita de pão e coberta de bolos, enquanto a janela era de açúcar cristalizado. - Finalmente poderemos comer! - exclamou João - Eu comerei um pouco do telhado, Maria, e você pode comer uma parte da janela. - disse, e quebrou um pedaço do telhado para prová-lo. Maria se aproximou da janela e começou a comê-la. Nesse momento, ouviu-se uma voz melosa, que vinha do interior da casa: "- Quem será que está comendo todo o doce da casinha? Irei depressa, correndo, dar-lhe-ei um bom tapinha."'




Muito mais ligada à famosa estória de Hansel e Gretel (versão original de 'João e Maria' aqui no Brasil), a regravação do clássico cult 'A Fantástica Fábrica de Chocolate' (Charlie and the Chocolate Factory) consegue ser ainda mais sinistra e bizarra que o primeiro filme, lançado em 1971. Baseado no livro de Roald Dahl, a história narra um concurso feito pelo excêntrico dono da maior fábrica de chocolates do mundo. Ele espalha 5 'golden tickets' (os 'bilhetes dourados') em suas barras, dando a oportunidade de que 5 crianças conheçam o interior de sua famosa fábrica, fechada há 15 anos sem que ninguém visse alguém saindo ou entrando de lá.

Diferente da 'bruxa Griselda' de João e Maria, Willy Wonka, o dono da fábrica, não espera atrair as crianças para comê-las, mesmo porque, 'pessoas não tem um gosto bom', e, também, 'o canbalismo é mal visto em nossa sociedade'. O apego por crianças, porém, parece ser o mesmo entre ele e a bruxa. Estrelado por Johnny Depp, (Piratas do Caribe, Ed Wood, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, Edward Mãos de Tesoura), o novo Willy Wonka é ainda mais estranho, mais engraçado, mais esqusito e mais dark. Vindo da direção de Tim Burton (Edward Mãos de Tesoura, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça), não se esperaria por algo diferente.

Pretendendo ser ainda mais fiel à obra de Roald Dahl, cenas que haviam sido modificadas, estão aqui como no livro; como a da Veruca Salt: nada de gansos e ovos de chocolate, como na adaptação passada, e sim fofos esquilos abridores de nozes. A famigerada cena das "bolhas" que foi criada no filme antigo também não existe. O início, com a apresentação dos personagens e até mesmo alguns causos sobre Willy Wonka contados pelo avô de Charlie estão idênticos ao livro. Burton soube dar um ar um pouco mais realista a essa nova versão. Digo realista porque, se havia algo mágico no antigo filme, era justamente o fato de Willy Wonka ser excêntrico porque era. Ponto. Aqui, porém, através de flash-backs da personagem, sabemos um pouco mais de seu passado e de seu pai, um dentista interpretado por Chistopher Lee (se de peruca branca ele metia medo como o mago Saruman de O Senhor dos Anéis, imagine com uma broca na mão...), o que acaba justificando suas atidudes. "Doce não tem que ter algum sentido, é por isso que é doce".

Aos poucos, os vencedores são conhecidos: o guloso Augustus Gloop (Philip Wiegratz), a ambiciosa e "mascadora de chicletes" Violet Beauregarde (Annasophia Robb), a esnobe mimada Veruca Salt (Julia Winter) e o metido a sabe tudo e viciado em televisão Mike Teavee (Jordan Fry) além de Charlie Bucket (Freddie Highmore, de Em Busca da Terra do Nunca), um menino pobre que acha o último bilhete.

Apesar de ter seu nome citado no título, o filme, decididamente, está menos centrado em Charlie e mais na figura de Wonka, o qual Depp soube fazer com maestria. Acalmem-se, porém, os fãns da antiga obra. 'Nunca, nunca se duvide daquilo de que ninguém tem certeza'. Com um ar arrogante e um jeito prepotente de quem decididamente não suporta crianças e não entende nada de valores familiares, Depp mostrou porque é considerado um dos melhores atores da atualidade. Sorriso psicopata sempre no rosto, é incrível como Depp faz trejeitos e caretas chamativos sem exagerar demais, exibindo expressões que traduzem qualquer sentimento. Sua atuação chega a ofuscar as demais em diversos momentos do filme. Extravagante, perde um pouco da magia de Gene Wilder, o antigo sr. Wonka, mas consegue algo ainda melhor: reforçar a lição de moral de como certos pais educam seus filhos, sendo ele mesmo um exemplo vivo.

Essa não é a primeira vez que Burton e Depp trabalham juntos. Desde Edward Mãos de Tesoura, passando por A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, Ed Wood, A Fantástica Fábrica de Chocolates e o próximo em vista, Noiva Defunta, ambos já deixaram claro que sabem o que fazem. A reconstrução da fábrica nas mãos de Burton e com a ajuda da tecnologia de hoje conseguiu ser ainda mais fabulosa. Para o rio e a cachoeira foram usados mais de 760 mil litros de chocolate líquido. Os Oompas-Loompas, anõeszinhos da Oompalândia, foram interpretados por um único ator, Deep Roy (Peixe Grande, Planeta dos Macacos), que fez as danças o número de vezes equivalente à quantidade de Oompas-Loompas que você vir na tela. Com a voz de Danny Elfman, que também fez a trilha sonora do filme, as canções não contêm o "Oompa Loompa, doompadee doo, we have a perfect puzzle for you", mas prometem ser divertidas. A casa de Charlie, totalmente disforme, aparenta ter sua planta concebida por um cenógrafo de filme expressionista alemão. O que poderia ter ficado artificial e menos encantador, ficou ainda mais deslumbrante e chamativo.

Freddie Highmore, escolhido pelo próprio Depp, depois de ter ficado impressionado com a sua atuação em "Em Busca da Terra do Nunca", passa um jeito mais meigo e sincero que Peter Ostrum, o antigo Charlie. As outras crianças também ficaram ainda mais caricaturadas que as antigas. Violet, por exemplo, que no livro original é considerada mal criada apenas porque fica mascando chiclete sem parar, aqui tem como maior defeito a mania estadunidense de só querer vencer, chamando todo mundo de perdedor. E Mike TV, o menino viciado em televisão, é também viciado em vídeo games e violência.

O filme é algo que se paga para ver, mesmo só havendo cópias dubladas; afinal, 'Temos tanto tempo e tão pouco para fazer'. Algumas referências estritamente adultas, como 'Psicose', 'Edward Mãos de Tesoura' e '2001 Odisséia no Espaço' (com a qual Burton reconstrói a Sala de Tv de forma quase idêntica) arrancam boas gargalhadas dos tios, enquanto as crianças olham sem entender. Como disse, porém, vale a pena. 'Chocolate tem a ver com a liberação de endorfina e deixa as pessoas mais felizes'; sejam elas de que idade forem'. Há, ainda, um final surpreendente feito por Burton, diferente do outro filme. Não adianta perguntar, porque eu não vou responder. 'Desculpe, perguntas somente no fim da sessão'.

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