Friday, July 11, 2008

Freud ainda explica

"Quanto mais prontamente a consciência registra os choques, menos provavelmente eles terão um efeito traumático" [Freud]




Com a direção de Fernando Meirelles, produção de Walter Salles e roteiro de Bráulio Mantovani, baseado no romance de Paulo Lins, o filme “Cidade de Deus” mostra, da forma mais “tarantianamente” possível, o que pode existir de melhor no cinema brasileiro. Isso valeu indicações ao Oscar para a direção, fotografia, melhor roteiro adaptado e montagem. Achou pouco?
Da década de 80 para cá, de “pornochanchada” a célebres diretores como Glauber Rocha, Eduardo Coutinho, Arnaldo Jabor, o cinema brasileiro conheceu uma época áurea, até então abafada pela falta de investimento governamental. Desde então, uma série de estudos sobre a verdadeira ‘intenção’ do cinema se intensificaram. Entretenimento, melodrama, cinema de autor, indústria do cinema são apenas alguns termos recorrentes entre os cinéfilos (aqui vale a ausência da vírgula para restrição) que procuram encontrar uma causa nobre por trás de cada filme. Eis, então, um dos maiores impasses e o prato cheio da crítica emburrecida para a receptividade do filme “Cidade de Deus” no Brasil.
Se por um lado, encantou as telas norte-americanas e espantou os europeus, principalmente a Inglaterra, por outro, o filme, que centra sua narração na favela chamada de ‘Cidade de Deus’ e mostra de forma crua o dia a dia de diversas pessoas ali, foi tido como ‘promovedor da violência barata’ ou, em termos chulos, pancadaria para vender. Certos ou não, vem a questão: mas não é que vendeu mesmo?
No começo do século passado, Benjamim, um grande estudioso de Freud, aplicou as teorias psicanalíticas em seu estudo sobre cinema. Ele diz, então, que, em uma das análises de Freud, o tema abordado foi a ansiedade, constatando-se que, pessoas que criavam certo tipo de expectativa para determinada situação, sofriam menos suas conseqüências que aqueles que a recebiam de forma inesperada.
Para o cinema, Benjamim disse que o mesmo acontecia. Ele serviria como a ansiedade consciente da população e a prepararia para receber os impactos da ‘vida real’ de uma forma mais amena e menos dolorosa. Não que não estejamos acostumados com violência a todo o momento, em todos os jornais, todos os dias da semana. O que a maioria da população, porém, aparentemente desconhecia (ou fingia não saber), era que existiam vidas, e vidas decentes no meio de todo aquele ‘aglomerado de traficantes’.
Claro que há panos e panos a serem discutidos acerca desse tema e de diversos outros incitados pelo filme; a questão não é essa. A questão é a forma como a população e a mídia brasileira, pelo menos uma parte significativa dessas, viram o filme apenas pelo prisma da violência excessiva. Que briguem com Paulo Lins. A produção do filme apenas captou a história já existente e a adaptou ao cinema. Por que não houve tanto alvoroço na época do lançamento do livro, por exemplo? Mais uma vez, a teoria freudiana de Benjamim se aplica. Cinema é ansiedade consciente. É amaciador de mente. O que não se pode dizer o mesmo, se falarmos de literatura em um país em que a grande maioria da população é analfabeta.
Com cenas rápidas, típicas de vídeo-clip; fotografia impecável; trilha sonora chamativa e condizente com o ritmo frenético do filme e o dedo do mestre Walter Salles e Fernando Meirelles, não podia dar outra. O filme emplacou continente afora, não se limitando às telinhas brasileiras, sendo muito mais aclamado pelo mundo do que no próprio país de origem. Fernando Meirelles ficou tão conhecido, que está, atualmente, dirigindo uma superprodução norte-americana chamada “O Jardineiro Fiel” (The Costant Gardener). Como tudo que é bom é pescado para fora, podemos dizer que os EUA estão com uma verdadeira peixaria, constituída em rios brasileiros e revendida, posteriormente, para o mundo e, por que não, para nós mesmos.
Merecíamos o Oscar? Talvez. Segundo os brasileiros, claro, pelo menos um pra gente. Segundo grande parte da crítica brasileira, com certeza. Segundo outros, nunca. Segundo os europeus, sim. Segundo a Academia, não. Isso é relativo. Sem sombra de dúvidas, analisado isoladamente, o filme é magistral, digno de admiração. O problema é que, quando o velho mestre Clint Eastwood volta às películas com uma obra belíssima como “Sobre Meninos e Lobos” (The Mistic River) ou quando o sabre de luz, que marcou a geração de 70 em diante, vira anel nas mãos do diretor Peter Jackson, em Senhor dos Anéis (The Lord of the Ring), fica difícil para qualquer filme concorrer.

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